Uma leve brisa que se fazia sentir acariciava, de mansinho, as copas das frondosas árvores que se erguiam ao longo da região de Vermont. O tempo húmido e as neblinas que enchiam o ar davam à paisagem um aspecto frio e britânico. Bandos de gansos povoavam o céu e quebravam o silêncio com o seu chilrear estridente. A Natureza estava magnífica, e os tons velhos e dourados de que se vestia há muito anunciavam a chegada do Outono.
No grande salão da Academia, os alunos, aprumados nos seus uniformes de colegiais, aguardavam, acompanhados pelos seus pais, as saudações de boas vindas que o Director, ano após ano, proferia na cerimónia solene de abertura de um novo ano lectivo.
Foi desta forma que o australiano Peter Weir iniciou uma das obras de culto da sétima arte e com ela alcançou grande craveira no panorama cinematográfico mundial.
O Clube dos Poetas Mortos, elogiado pela excelência e profundidade que dele emanam, criticado pela atmosfera pesada e lúgubre em que nos envolve, é, sem dúvida, uma película que não nos deixa indiferentes…
Vi-o, pela primeira vez, com quinze anos. Nessa altura, o filme não me disse grande coisa. Era a história comovente de um grupo de amigos estudantes, que se apresentava aos olhos de uma adolescente como mais uma entre tantas.
Contudo, sem saber muito bem como nem porquê, havia algo que me prendia àquela longa-metragem… Algo que me trazia grandes recordações… Os uniformes, as cerimónias de abertura, as salas de estudo, o ensino rígido… o ambiente de Colégio!… Um tempo inesquecível, guardado num lugar muito especial da minha memória, onde apraz mergulhar, de quando em vez. As professoras, as amizades, as brincadeiras, os ensinamentos recebidos, algumas vezes com um certo tédio, sem qualquer consciência da sua função futura, mas que em muito ajudaram a construir a pessoa que hoje sou, assaltaram, nesse momento, o meu espírito.
E foi sobretudo por isso que me decidi a vê-lo pela segunda vez! A partir daí, tudo mudou. Dessa vez, “vi-o com olhos de ver” e fiz dele o meu filme de eleição!
Na América dos anos 60, a Academia Welton apresentava-se como uma das mais reputadas instituições escolares, frequentada, há várias gerações, pela nata da burguesia norte-americana. Tradição, honra, disciplina e excelência eram os quatro pilares que a sustentavam e pelos quais se pautava a vida dos estudantes. Através do trabalho e da disciplina, os alunos aprendiam o sentido e o dever da honra.
Porém, o ano de 1959 viria a ser marcante no futuro da instituição: o corpo docente recebe um novo elemento, John Keating, professor de Literatura. A personagem, magistralmente interpretada por Robbin Williams, apresenta-se como um homem carismático, que encara a vida sem concessões, que vive para ensinar e considera a poesia, o romance e o amor como as três coisas pelas quais vale realmente a pena viver. Antigo aluno de Welton, coração heróico, movido pela têmpera de que Tennyson dotara o seu Ulysses, John keating muda, para sempre, a vida daqueles que um dia tiveram a felicidade (ou talvez não) de se cruzar no seu caminho.
Numa época de tradições fortes e aguerridas, de ideias pré-concebidas, de homens envoltos pelo marasmo da rotina, Keating era um ser à parte. Absorvido pelo trabalho, inspirado pelos ideais futuristas de Whitman, o romantismo de Shakespeare e Shelley, e o espírito de independência de Horácio, Mr. K., como era carinhosamente tratado pelos alunos, encarava a vida como um livro que ia sendo preenchido, a cada instante, por palavras soltas, palavras cadenciadas, musicadas, poesias…
Avesso ao conformismo que se respirava em Welton, ensinou os alunos a verem o mundo de uma forma diferente, a pensarem por si próprios, a “saborearem as palavras e a linguagem”. Mostrou-lhes como a vida é o mais precioso dos bens, mas também o mais efémero. Utilizando a máxima horaciana do Carpe Diem, dá-lhes a primeira grande lição de vida: cada um deve aproveitá-la o mais possível, sugá-la até ao tutano, tentar realizar os seus sonhos, expor os seus ideais sem receio, fazer dela algo de extraordinário!
O seu trato franco e aberto conquista rapidamente os alunos, tornando-se, para eles, fonte de inspiração. Verdadeiro poeta vivo, revela-lhes as emoções experimentadas numa espécie de sociedade secreta que formara com os colegas quando era aluno de Welton.
“Liam-se grandes poetas, faziam-se poemas, criavam-se deuses…” Foram estas as palavras mágicas que mudaram para sempre o rumo das vidas desses jovens alunos.
Neil Perry (Robert Sean Leonard), um dos melhores alunos da Academia, profundamente empenhado em tudo o que fazia e com fortes convicções, é dos que mais sente os ensinamentos de keating. Pouco a pouco, dá-se conta do verdadeiro poder da poesia. Agradava-lhe a determinação de Keating, a sua forma de encarar o mundo, a sua audácia, a ousadia com que enfrentava as situações… Por isso, Neil vivia cada dia como se fosse o último, fazendo do carpe diemo lema da sua vida. Junto com os seus amigos vai viver momentos inesquecíveis. Em casa, sente-se asfixiado pelo autoritarismo do pai que insiste em fazer dele médico, não o deixando realizar o grande sonho da sua vida: se actor. Sem capacidade para enfrentar a situação, não tendo ainda força para fugir ao despotismo paterno, a fuga que encontra é o suicídio.
De repente, o mundo de Welton começa a desmoronar-se, e aquilo que parecia um ano cheio de novas experiências e momentos agradáveis, torna-se um pesadelo. A morte de Neil acarreta nefastas consequências, quer para os colegas, que se vêm confrontados com uma situação embaraçosa, quer para Mr. Keating que, tomado como bode expiatório de toda a situação, acaba por ser demitido.
Apesar de ser um filme de difícil leitura, acho-o espantoso! Faz-nos parar um pouco e reflectir sobre muitas coisas. Reflectir sobre os nossos sonhos, sobre aquilo que verdadeiramente ambicionamos, sobre o que esperamos dos outros… Reconhecer a importância da família e de valores como a amizade e a lealdade… Foi sobretudo a forma como o realizador trabalhou esses aspectos o que mais me tocou. Um grupo de rapazes audazes e ambiciosos que procuravam alcançar o seu lugar no mundo, mas para quem a confiança, a amizade e a lealdade estavam acima de tudo. Juntos lutaram para fazer impor esses valores, juntos combateram para que não se perdessem, tomando o professor de Literatura como um verdadeiro amigo pelo qual tiveram a coragem e a ousadia de, pela primeira vez em Welton, erguerem a sua voz.
É, de facto, notável a cena final, aliada a uma fantástica banda sonora que ao longo de todo o filme parece alegrar-se ou entristecer-se consoante as situações.
Keating tentou quebrar a rotina, subverter o sistema, contagiar os alunos e deixar-lhes uma herança para a vida. Por isso, viu-se obrigado a partir. Contudo, partiu com uma certeza: a semente que lançara à terra germinara e dera frutos.
Cláudia Lázaro

